PEGN conversou com especialistas para entender os principais fatores que levaram o ecossistema brasileiro de inovação ao seu melhor momento na história
Por Rennan A. Julio, Pequenas Empresas e Grandes Negócios. Link para publicação original.
Nos seis primeiros meses deste ano, US$ 5,2 bilhões foram captados por startups brasileiras. O volume, um recorde histórico, já superou em 45% o total investido ao longo de 2020, ano em que o ecossistema recebeu US$ 3,5 bilhões. Os números divulgados pelo Distrito na última semana mostram que as empresas inovadoras e de base tecnológica do país vivem um momento único. Olhando para números tão impressionantes, nos perguntamos: por que isso está acontecendo? E até onde se pode chegar?
PEGN conversou com especialistas e atores do ecossistema para entender o cenário. Entre as razões, há componentes econômicos e ligados ao ambiente de negócios. Mas há também mudanças mais sutis – porém com grandes impactos – em mindset e na cultura empreendedora. E uma unanimidade: o Brasil está longe de bater no teto. Podemos esperar mais recordes por aí.
Transformação digital
A rápida adesão do brasileiro – e do latino-americano em geral – à tecnologia abre oportunidades para startups. “Isso está acontecendo em todo o mercado, tanto na pessoa física quanto na jurídica. Há uma pressão grande pela transformação digital”, diz Gustavo Araujo, CEO do Distrito. Bruno Dalapria, senior associate do fundo latino-americano NXTP, ressalta que a crise do coronavírus deu protagonismo a um movimento inevitável. “A pandemia jogou luz em necessidades que, com o tempo, se transformaram em mudanças mais sistemáticas”, diz o investidor.
Espaço para apostas
Enquanto em mercados maduros, como os Estados Unidos, as empresas mais valiosas são de tecnologia, no Brasil vemos no topo da lista bancos e grandes indústrias. Os investidores enxergam aqui um espaço para crescimento. E, apesar dos IPOs recentes, a proporção entre empresas de tecnologia e negócios tradicionais na Bolsa é muito pequena, se comparada ao mercado norte-americano, exemplifica Dalapria. “Isso mostra que há demanda reprimida.” Fora da listagem da B3, um ponto que favorece as startups é a alta liquidez em razão das baixas taxas de juros, aponta Karina Almeida, especialista em acesso a capital da Endeavor. Os investidores buscam novas formas de aportar capital e encontram no venture capital uma alternativa.
Amadurecimento do ecossistema
O Brasil tem, hoje, mais empreendedores experientes (alguns em sua segunda ou terceira iniciativa) e executivos que querem participar da construção de novos negócios de tecnologia. “As startups estão mais maduras, com times e produtos qualificados”, afirma Renata Zanuto, co-head do Cubo Itaú. Do lado das equipes, há uma mudança cultural: mais profissionais – tanto jovens quanto já cacifados no mercado – querem trabalhar no próximo unicórnio. “Para dar conta de trazer pessoas de alto nível, é preciso ter recursos”, diz Zanuto. Boa parte dos cheques mais gordos tem servido para a expansão de times qualificados.
Tolerância à falha
Essa é uma mudança de visão da parte de todos os stakeholders. “O preparo cultural para avaliar esse tipo de negócio acompanhou o crescimento do ecossistema. Hoje, o investidor sabe que algumas startups vão dar certo, e outras, não”, afirma Victor Cabral Fonseca, coordenador do comitê de startups da FecomercioSP. Em paralelo, os empreendedores mais maduros fazem correção de rota mais rapidamente. “Eles aprenderam a ouvir os clientes e a pivotar na hora certa.” Um detalhe importante: a troca de experiências entre fundadores contribui para melhorar o mercado. “Os empreendedores são a maior fonte de conhecimento para o nosso ecossistema. Nos últimos anos, eles têm buscado gerar cada vez mais impacto mentorando, investindo e inspirando novas gerações”, ressalta Almeida.
Atuação em rede
Por último, todos entendem que a formação de um ecossistema de inovação foi essencial para alcançar esse patamar. Entram nessa reflexão mais iniciativas de inovação aberta das grandes empresas, o aumento dos fundos de corporate venture capital e o crescimento exponencial de M&As (fusões e aquisições). A sanção do Marco Legal das Startups também contribuiu. “Sim, o Marco deixou elementos de fora, mas é importantíssimo. Não existia discussão regulatória. Só aconteceu porque o ecossistema se uniu”, diz Fonseca.
O que futuro reserva
Afinal, até onde o ecossistema pode chegar? Para Araujo, os recordes não devem arrefecer tão cedo. “Talvez daqui a 20 anos, quando o mercado inteiro for de tecnologia”, diz. Ele avalia que, nesse meio-tempo, veremos um período de adaptação, em que as empresas capitalizadas terão de cumprir as metas impostas lá atrás. “Haverá uma pressão dos investidores pela entrega do crescimento prometido”, afirma o CEO do Distrito. “Logo menos, essa divisão entre startups e empresas tradicionais não vai mais existir”, opina Renata Zanuto. “Serão apenas empresas de tecnologia escaláveis e prontas para se tornarem grandes negócios, multinacionais, que faturam bilhões de dólares. Até pouco tempo atrás, o Nubank era ‘apenas’ um unicórnio. Hoje, já é uma das startups mais valiosas do mundo.”