POR IVAN VENTURA – 14 DE FEVEREIRO DE 2022
Duas recentes notícias internacionais acenderam o alerta sobre as transações em NFT, o token não-fungível que funciona como uma espécie de selo de autenticidade e de unicidade.
Um deles está relacionado ao pessimismo de especialistas sobre os primeiros projetos de NFT. Uma dessas vozes é Gary Vaynerchuk, ou Gary Vee, apontado como um dos maiores gurus digitais da atualidade e fundador da VaynerMedia.
Em entrevista a CNBC, ele comparou a atual histeria com o NFT ao boom do mercado de ações da era “pontocom” do início dos anos 2000. “Estes projetos são as ações da Internet de 1999. 98% dos projetos (NFT) vão para zero”, afirma Vaynerchuk, que completa.” Em março de 2000, quando todas as ações da internet que foram superestimadas e entraram em colapso, a Amazon estava lá a sete ou oito dólares por ação, a mesma coisa acontecerá no espaço NFT”, conclui.
O outro sinal vem do Reino Unido e aponta para o surgimento de fraudes envolvendo NFTs. O departamento fiscal do Reino Unido, o Her Majesty’s Revenue and Customs (HMRC), afirma que realizou a primeira apreensão de um NFT de uma autoridade do país, segundo a BBC News.
De acordo com a notícia, a autoridade deteve três pessoas por tentarem enviar £5 mil em criptoativos que estavam escondidos dentro de três obras de arte digitais. Ainda de acordo com o órgão, estima-se que a fraude pode chegar a £ 1,4 milhão.
A descoberta da fraude e a possibilidade de bolha geraram debates sobre a necessidade de uma regulação. Segundo Patrícia Martins, sócia na área de tecnologia e inovação de TozziniFreire Advogados, essa é uma possibilidade real no horizonte dessa nova tecnologia. E o motivo ela explica em um rápido bate-papo com a Consumidor Moderno.
Consumidor Moderno – Olhando para o cenário atual de NFT, a senhora projeta alguns desafios? Quais são eles?
Patrícia Martins – Embora os NFTs estejam adquirindo maior popularidade a cada novo lançamento, ainda não há regulamentações que ditem regras legais especificamente para NFTs e seus representantes. No entanto, existem algumas questões-chave que surgiram enquanto investidores, empresas de tecnologia e outros interesses comerciais exploram esse espaço.
Primeiro, é importante ponderar sobre a descentralização (promessa justamente de tecnologias como o blockchain, criptoativos e o próprio NFT). Ao promover transações virtuais de forma descentralizada, você perde (total ou parcialmente), ao menos no começo da implantação da tecnologia, a supervisão do Estado sobre tais eventos. Era como o bitcoin, no começo, em que pouco se sabia sobre como as exchanges iriam ser regulamentadas ou as compras/vendas dessas criptomoedas poderiam ser tributadas. Com o tempo, esses aspectos foram resolvidos, na medida do possível. Não antes, é claro, de promover debates sobre conceitos jurídicos tradicionais, como territorialidade e soberania de Estados, por exemplo.
Assim, é evidente que transações de NFTs, como as envolvendo avatares e obras de arte virtuais, por exemplo, precisarão ser discutidas e estudadas sob a ótica do Direito para que seus desafios jurídicos sejam resolvidos. Atualmente, podemos citar como temas jurídicos particularmente sensíveis para NFTs e outras transações virtuais as questões de direitos autorais, de propriedade, patentes e marcas; exequibilidade; possíveis infrações penais envolvendo NFTs; necessidades de registros formais, além da blockchain, inclusive para negociações imobiliárias; e até mesmo questões relacionadas a proteção de dados, principalmente referentes aos usuários, compradores ou vendedores de ativos dessa natureza. Outras, entretanto, poderão surgir conforme a tecnologia se populariza e vai ganhando novas aplicações.
CM – É possível falar na aplicação do direito de arrependimento e outras proteções previstas no CDC em transações com o NFT? Quais seriam os limites do uso das leis? De novo, seriam necessárias as aprovações de leis complementares ou até uma nova legislação?
P.M – Um regime regulatório que recebeu pouca atenção até o momento no espaço NFT é a proteção ao consumidor. Como as NFTs geralmente são vendidas a compradores de varejo, os mercados de NFTs e os participantes do mercado devem estar cientes de que as regulamentações de proteção ao consumidor podem se aplicar a essas vendas. Como isso se dará, no entanto, ainda é uma conversa em andamento.
Dado que NFTs são uma oportunidade relativamente nova para as empresas de consumo, é importante que as questões legais e de reputação sejam devidamente consideradas à luz das tecnologias facilitadoras usadas para entregar um NFT e os processos de transação associados. Além da tecnologia, esses direitos também serão moldados pelo ambiente contratual no qual o NFT é usado. As empresas devem, portanto, estar atentas aos direitos e responsabilidades dos titulares ao definir a natureza precisa de um NFT.
Por enquanto, todos os participantes do ecossistema NFT devem considerar uma ampla gama de leis e regulamentos aplicáveis para evitar relações comerciais incertas e o escrutínio dos reguladores. Considerações adicionais podem ser aplicadas se outras jurisdições estiverem envolvidas em aspectos do processo, por exemplo, na cunhagem dos NFTs ou se houver promoção ativa do NFT em outros mercados. Uma análise cuidadosa do arranjo subjacente específico será fundamental para caracterizar adequadamente os NFTs.
Até que se consolide novas regras que contemplem adequadamente os NFTs, será imprescindível a aplicação das legislações atuais para os primeiros debates quanto as relações de consumo envolvendo a nova tecnologia. É necessário que os primeiros fatos aconteçam, para que então as discussões tenham material de estudo para elaboração de uma nova regulamentação
Por que a NFT poderá ser regulada em um futuro próximo? (consumidormoderno.com.br)